terça-feira, 16 de junho de 2009

O modo de organizar as diferentes informações que acessamos é que termina por singularizar a nossa caligrafia, o percurso do nosso traço caligráfico. A singularidade da caligrafia não reflete uma identidade fixa, mas propõe uma escrita singular que se constrói em diálogo com o ambiente a todo tempo. Essa caligrafia gera diferença em sua forma de se organizar e ao mesmo tempo não se fixa, pois no diálogo com o ambiente ela se altera. Por tanto, sua diferença é provisória e se assemelha com o jogo linguístico de Derrida sobre differánce que é diferença e adiamento, sentido que leva em consideração o contínuum espaço temporal que torna a diferença móvel e sem origem:

“A dimensão temporal que Derrida fornece ao seu modelo de “escritura” nos lembra que essa escritura que diferencia violentamente (escritura = violência = diferença), que gera as diferenças que são constitutivas de sistemas complexos, não é, por analogia com a escritura no sentido comum do termo, um resíduo tangível ou visível, não é uma “escritura” estática. Pelo contrário, é um processo, um movimento que institui diferença enquanto, ao mesmo tempo, a mantém em reserva, retardando sua apresentação ou operação. Derrida usa o termo différance para descrever esse processo, o qual ele frequentemente refere como o movimento de diferença.”(JHONSON, 2001:38)  

Já que considero o modo de organizar diferentes informações uma singularidade caligráfica, devo lembrar que esse modo implica em escolhas e constante diálogo com o ambiente, portanto implica em postura política e capacidade de atualizar seus questionamentos e tais implicações me fazem entender a caligrafia como um design performativo. Para esclarecer melhor essa relação utilizo o entendimento de design em dança via Helena Katz e o entendimento de performatividade em dança proposto por Jussara Setenta:

“A idéia de performatividade reúne processo e produção da fala da dança (que não são duas intâncias separadas) e indica que o interesse está em se observar os diferentes modos de fazer e organizar estas falas no corpo. É necessário, então, tentar diluir as idéias de fixação e buscar trabalhar com idéias que subvertam e desestabilizem posições pré-estabelecidas.”(SETENTA, 2008:101)

Em seu livro O fazer-dizer do corpo, dança e performatividade, a autora Jussara Sententa propõe um entendimento do corpo que dança a partir do conceito de performatividade da filósofa Judithe Butler, que amplia o conceito de performativo de Austin, entendendo os atos e a organização da fala como um ato corpóreo e não apenas fonético. O mais importante numa abordagem performativa em dança é o jeito como você organiza as informações. Segundo Helena Katz, “essa organização é o seu design, o modo como as informações tomam forma.”

Portanto, o modo como me apropio das informações e invento a minha dança gera uma caligrafia=design performativo.

Afinal, a dança se nutre dos ajustes entre aleatório e cumulativo. A cada dia, por causa de todas as informações que vão transformando o corpo, ele é sempre um corpo único. Assim, qualquer corpo reúne uma certa coleção de informações a cada momento de sua vida. E é essa coleção de informações na forma de um corpo (que se encontra em transformação permanente, pois há muitos tipos de informação que não param de chegar) é esse corpo – do fluxo incessante de trocas de informação com os ambientes por onde transita – que dança. (KATZ, 2007:199)

Considerando este modo de organizar esta caligrafia, esboço algumas questões para serem respondidas não neste ensaio, mas no decorrer desta investigação que propõe uma dança enquanto caligrafia=design performativo:  

Quais são as possibilidades corporais desse traço caligráfico que atravessa a tensão entre o provisório, o estável, a tradição, a singularidade, o legível, o ilegível? Como organizo um ambiente a partir das diferentes grafias inscritas no meu corpo? Meu modo de organizar a minha caligrafia=design performativo é o meu desenho estratégico político de negociar com a cidade? 

Nenhum comentário:

Postar um comentário